segunda-feira, 17 de setembro de 2012

"Acredito que esta equipa poderá surpreender"

NUNO VIEIRA, TREINADOR DO MATRAQUILHOS NA 2.ª DIVISÃO DE FUTSAL
"Acredito que esta equipa
poderá surpreender"

"Adaptação rápida e capacidade de trabalho rumo à manutenção. O técnico Nuno Vieira acredita na equipa do Matraquilhos e, apesar do pouco conhecimento sobre este quadro competitivo, quer jogar sem medo na 2.ª Divisão de Futsal."

LUÍS ALMEIDA |DI | 17.9.2012

"Depois da conquista da primeira edição da Série Açores, o que se pode esperar do Matraquilhos Futebol Clube (MFC) na estreia absoluta no Campeonato Nacional da 2.ª Divisão de Futsal, Série B, onde estão 14 equipas?

Vamos competir numa realidade completamente diferente e ainda não temos a noção clara do que iremos enfrentar. Espero, acima de tudo, uma equipa com capacidade de trabalho, que saiba perceber o patamar onde está inserida e possa adaptar-se o mais rapidamente possível. Quando falo em equipa, incluo-me a mim próprio, pois é realmente uma novidade enorme. Sempre fui apologista da nova Série Açores, mas também sei perfeitamente que o salto é grande.

Atendendo à distância que separa o futsal terceirense do continental, tem sido possível recolher dados concretos quanto à realidade que o MFC irá encontrar?

Para se ter uma ideia, vamos competir com três das equipas que desceram da 1.ª Divisão. Neste momento, o desconhecimento é maior, por exemplo, daquele que existia antes do arranque da primeira edição da Série Açores. Tenho tentado falar com outros treinadores e, o que me dizem, é que a organização coletiva do jogo não é muito distinta, mas a qualidade individual dos jogadores já revela diferenças substanciais. É a nossa primeira experiência e seremos postos à prova, até porque algumas pessoas colocaram em causa a competitividade da Série Açores. O MFC será a bandeira desta competitividade. Acima de tudo, teremos de reunir capacidade de trabalho e de resposta dentro de campo, mesmo percebendo que, neste momento, tudo o que possa acrescentar será sempre subjetivo. Taticamente, temos de evoluir, é garantido, mas, em termos psicológicos, naquilo que é a concentração ao longo de todo o jogo, nos pequenos pormenores, digamos, as diferenças não serão substanciais em relação ao que fazíamos antes.

O plantel que o MFC apresentou reúne a qualidade necessária para encurtar estas distâncias?

Tenho confiança nestes jogadores, mas, acima de tudo, tenho confiança na nossa capacidade de trabalho. É esta noção que quero incutir na equipa. O grande segredo vai passar por nos adaptarmos o mais rapidamente possível ao novo modelo competitivo e ao estilo de jogo que vamos enfrentar. Sinto que temos capacidade para dar uma boa resposta e os jogos em casa, neste contexto, serão fundamentais. Vamos para a terceira época juntos, a equipa evoluiu e continuo a sentir que essa capacidade de evolução não estagnou. Esta equipa cresce com os desafios e temos de ter essa capacidade durante as 26 jornadas. Sabemos que tudo é ainda uma incógnita, mas, pelo que tenho assistido, desde logo em diversas formações em que estive inserido, o trabalho que realizamos não é inferior a outras realidades. O nosso tipo de trabalho está muito próximo da realidade competitiva que vamos disputar. Não podemos encarar a competição como "os coitadinhos" ou com medo. Temos de impor o nosso futsal, respeitando e fazendo-nos respeitar. A falta de experiência será mais facilmente ultrapassada quanto mais depressa formos capazes de nos adaptarmos. Assim teremos hipóteses de nos mantermos, pois só descem duas equipas. Pelo que já analisei das médias dos últimos quatro anos, nove vitórias devem chegar para atingir este objetivo. Mas será um campeonato bastante cansativo. Deslocações na sexta-feira, regressos ao domingo e estas viagens desgastam. Aliás, é algo que já está devidamente acautelado no nosso planeamento de treino.

RISCO

O MFC vai, certamente, passar por momentos bastante díspares dos que viveu a época passada. Preparar a equipa para as derrotas é uma preocupação?
Em novembro perfazem dois anos que o MFC não perde. Quando parto para uma época, tenho sempre o meu plano de liderança estabelecido e, obviamente, quando se está tanto tempo sem perder, a confiança está em alta. Temos de partir para a 2.ª Divisão com uma grande dose de humildade, percebendo que as derrotas vão acontecer. O primeiro desaire será complicado para uma equipa que está habituada a vencer, mas eu próprio, enquanto líder, serei o primeiro a dar a cara e a proteger o grupo na hora das derrotas. Com humildade, vamos certamente perceber que as derrotas são parte do nosso processo evolutivo. Todavia, apesar de todo o sucesso que vivemos na época passada, a verdade é que alguns jogos nos causaram imensos problemas, mas sempre soubemos dar a volta graças à nossa capacidade de superação e sacrifício. Por isso acredito que esta equipa poderá surpreender, até porque a pressão é só uma: fazer o nosso melhor e dignificar o clube, estando presentes nesta nova etapa de forma competitiva. Não vamos jogar com medo. A nossa identidade vai manter-se e, quem quer evoluir, tem de jogar de igual para igual.
Não é esta, ao mesmo tempo, uma opção de risco?
Tenho consciência do risco e assumo-o, até pela própria constituição do plantel, bastante jovem. Mas eu próprio sou um jovem e só poderemos ganhar experiência se estivermos presentes. Mas sem pressão, até porque, na minha opinião, ela não existe. Só poderemos retirar aspetos positivos e a vários níveis. A manutenção, por si só, será como festejar um título, mas se estes jogadores souberem tirar partido de algumas situações de jogo que os nossos adversários da época passada não nos colocavam, certamente que vão evoluir. A falta de competitividade estagna a evolução. Competindo de uma forma saudável, estes atletas não serão os mesmos no final do campeonato, independentemente do resultado. Este é um patamar para chegar à 1.ª Divisão. Eu tenho este objetivo e os atletas também o devem ter. Neste momento não é uma meta para o clube, pois não é realista nem coerente. Mas é esta expectativa que nos fez chegar à 2.ª Divisão. A mentalidade não pode ser a de "estar por estar". O MFC é um clube ambicioso.

Que razão para esta aposta forte na continuidade do plantel, sem "reforços de peso"?

Mesmo existindo bons valores na ilha, são estes os jogadores que me dão confiança. Foi criado um trabalho de base ao longo dos últimos dois anos e, na 2.ª Divisão, este trabalho só poderá ser melhorado. Acredito nestes jogadores, quer pela sua juventude, mas sobretudo pela sua qualidade.

Série Açores com qualidade

Que razão encontra para o tremendo sucesso que o MFC registou na época passada, desde logo pela conquista da Série Açores?

Os resultados falam por si, mas não posso dizer que foi fácil. O MFC preparou-se bem e, acima de tudo, teve a capacidade de respeitar todos os adversários. Quando um grupo estabelece objetivos comuns e consegue transportá-los para a prática diária, desde os treinos aos jogos, a dinâmica é maior e a qualidade sobressai. Conseguimos essa dinâmica, não só dentro de campo, mas também fora dele, pois os nossos adeptos foram determinantes. Este apoio é fundamental.
A Série Açores foi um campeonato de qualidade?
Existiram várias críticas e, por um lado, consigo entendê-las, mas por outro penso que foi uma mudança positiva. Serviu, positivamente, para fazer evoluir a modalidade. Existiam algumas equipas realmente fracas, mas outras mostraram bom futsal. As nossas dificuldades foram muitas e o nosso segredo foi não facilitar, mesmo depois de garantido o título. A ambição de querer evoluir e de querer estar num patamar superior é tremenda nestes atletas. Apesar de amadores, trabalhamos como os profissionais.

Havendo essa evolução, por que razão não houve a mesma correspondência na formação, que ainda é descurada, como referiu?
Nesse aspeto, do ponto de vista da formação enquanto base para sustentar os seniores, a Série Açores foi prematura. Aproveitar esta embalagem parte de cada clube. Para se consumar projetos sérios, é preciso pensar na formação de forma séria. Se não primeiro, pelo menos em paralelo. Na próxima época, nos escalões de juniores, penso que vão existir entre seis a oito equipas. É sinal que os clubes também começam a olhar para a formação com outros olhos.

Continuou a ser uma Série Açores "alimentada" por ex-futebolistas?

Aconteceu num ou noutro caso, mas não na maioria. Julgo que não foi uma situação excessiva. O problema é que se criou muito alarido. Penso que é algo que vai continuar a acontecer, mas não o suficiente para se afirmar que a Série Açores foi alimentada por ex-futebolistas. Entendo que a Série Açores tem espaço para evoluir. Neste momento, a Terceira tem cinco equipas a nível nacional e isto acabou por não enfraquecer o campeonato regional, que continua coeso.

Muitos treinadores, de facto, digamos que se têm "queixado do futsal". Na sua opinião, por quê este "alarido" que referiu?
Creio que muitos treinadores subestimam e insistem em negar o crescente interesse no futsal e os verdadeiros motivos que levam um jogador a ingressar na modalidade. Mas estas queixas só levam a um maior distanciamento que, a meu ver, advém em grande parte da falta de ligação entre as entidades que nos regem. Arrisco-me a dizer que os clubes são os que mais têm vontade em desenvolver o futsal. Falta formação de treinadores, partilha de experiências e, tenho que referir, maior apoio associativo. A formação de treinadores deveria partir da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo (AFAH), pois é um fator fundamental para o desenvolvimento da modalidade. Aliás, quando me refiro a formação, não falo apenas em cursos, mas também em ações de formação que permitissem a partilha de conhecimentos e a consequente evolução dos treinadores, jogadores e da modalidade em geral. Neste aspeto em particular não vejo o mínimo esforço e nem há coerência entre o que está a ser feito e o que está escrito no plano de desenvolvimento desportivo para a modalidade. Por outro lado, a AFAH foi a única instituição que formalmente não nos deu os parabéns. Recebemos o troféu da Série Açores por coincidência, visto que participámos no Torneio das Sanjoaninas. Troféu entregue pelos diretores do MFC. Os escalões de formação receberam troféus num caixote."

Confiança na formação
Que peso terá a formação interna do MFC numa 2.ª Divisão, com a inclusão de três jovens da "cantera" no plantel principal?
São, acima de tudo, atletas com grande margem de evolução e o grande segredo poderá passar - esta é a minha aposta - pela abertura de novos horizontes. Estes jogadores podem ser o exemplo para a consolidação do projeto de formação do MFC. Cada jogador terá de estabelecer os seus próprios objetivos individuais dentro do principal objetivo do grupo, que passa pela manutenção. Estes atletas estão em pé de igualdade com todos os outros e a sua capacidade de trabalho é que vai dar a resposta quanto ao seu papel ativo no seio do plantel. Mas não se pense que isto acontece de um dia para o outro. Estes atletas já o fazem há dois anos e com assiduidade de treino.

O MFC tem vindo a implementar o projeto Coordenadores da Formação. Quais os principais objetivos desta medida?

O clube arrancou com a formação há cinco anos, sendo que este projeto entra na segunda época de trabalho. Este é um projeto integrado, ou seja, os seniores são o espelho visível, mas a nossa preocupação passa por "alimentá-los" com atletas que entendam a identidade e os valores do clube e que queiram fazer parte destes objetivos. Queremos moldar desportivamente, mas também em termos formativos, tentando fazer da formação a grande base de sustentabilidade do clube. Será uma grande vitória se conseguirmos ter um atleta que percorra todas a etapas desde as escolinhas aos seniores. Mas os verdadeiros frutos deste projeto só serão visíveis daqui a cinco anos. Por outro lado, com o projeto Coordenadores da Formação, a formação dos quadros técnicos e diretivos é crucial. Penso que o futsal ainda tem muito para evoluir, até porque, na minha opinião, ainda se vai trabalhando relativamente mal na formação. O talento, se não for bem trabalhado, não chega a lado nenhum."

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